quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Cantigas de amor

Cantigas de amor

I. Temática
Têm como temática o amor, do mesmo modo que as cantigas de amigo, mas observa-se mais aristocracia no tom e na forma.
As  cantigas de   amor   estruturam-se  como  declaração amorosa  ou  lamento perante a dama pela sua indiferença ou altivez.
A personagem protagonista é sempre a senhor, embora esta não seja sempre a destinatária da cantiga. A descrição da senhor é:
Psíquica,   o   trovador   descreve   especialmente   as  virtudes  do   seu
                        comportamento.
 Física, que se realiza só de modo genérico. Ademais, não há referências ao tempo ou ao espaço já que é uma dama abstracta.
d) Tavani estabelece os seguintes campos semânticos:
    • Elogio da dama: pode aparecer explícito ou implícito, mas é sempre positivo (frequentemente aparece como obra mestra de Deus).
    • Amor do poeta: também pode aparecer explícito ou não e liga-se aos seguintes motivos:
 Coita, sempre presente na lírica galego-portuguesa. Vê-se como um sentimento contraditório já que produz pesar, mas também certo prazer masoquista.
Desejo da morte por amor.
Reserva da dama: é sempre esquiva, tímida, discreta. Não se menciona o seu nome, pelo que isto também está relacionado com a mesura.
Não correspondência do amor: está ligada à coita e à sintomatologia que produz o distanciamento da dama (insónia, pranto, loucura...). Expressa-se por meio de fórmulas estereotipadas.
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II. Causas da influência provençal na Península.

1. Os monges de Cluny - Antes ainda de Portugal se tomar independente estabeleceram-se na Península os monges de Cluny, sob cuja direcção espiritual ficaram no século XI quase todas as igrejas hispânicas. Obtiveram muito cedo forte ascendente na corte de Afonso VI de Leão e não resta dúvida de que deixaram por cá vestígios da sua passagem, pelo menos na arquitectura. Devem ter influído igualmente nas letras. Entre outros, celebrizaram-se em Portugal S. Geraldo e o seu biógrafo Fr. Bernardo.
2. As romagens aos santuários - O principal motivo das deslocações da gente medieval consistia nas peregrinações aos santuários. Por causa da devoção aos servos de Deus, mais do que por causa do comércio e das campanhas militares, é que as pessoas jornadeavam então de terra em terra, de nação em nação. Anualmente, os crentes da França, qual formigueiro nervoso, dirigiam-se a Santiago de Compostela; e os de cá empreendiam idênticas jornadas de fé às terras de além-Pirenéus, a Tours e sobretudo a Santa Maria de Rocamadour. As viagens duravam meses; pelo caminho, os romeiros cantavam as modas da sua terra; em frente dos templos, faziam-se representações teatrais e autênticos torneios poéticos. Desta maneira, as culturas iam-se disseminando ao longe e ao largo. É natural, por exemplo, que muitos trovadores gauleses tenham deliciado os aborígenes da Galiza com cantares provençais, alguns até cheios de sensualismo pagão, a contrastar com a penitência e santidade próprias dos bons romeiros.
2. Os guerreiros e colonos franceses - Os reis de Leão convidaram cavaleiros franceses para os ajudarem nas lutas contra os Mouros. O conde D. Henrique lá veio de além-Pirinéus e com ele muitos outros.
Lisboa foi conquistada com o auxílio de cruzados nórdicos e da Gália. D. Afonso Henriques e sobretudo D. Sancho I, em reconhecimento de serviços prestados, distribuíram terras por muitos desses guerreiros, os quais por aqui espalharam os seus costumes e a sua cultura e civilização.
3. Contacto dos fidalgos portugueses com jograis da Provença – Descontentes com o
despotismo de D. Afonso II vários nobres portugueses abandonaram o país e foram acolher-se à corte de Afonso IX de Leão. Conhecemos o nome de alguns que lá se deixaram enredar pelo encanto das musas: D. Gil Sanches, D. Abril Peres, D. Garcia Mendes. Poetavam então nessa corte conhecidos trovadores franceses que os nossos procuravam imitar. Os contactos continuaram nos reinados de Fernando III e Afonso X.
4. O Bolonhês — D. Afonso III viveu em França durante doze anos. Quando veio sentar-se no trono de Portugal, fez-se acompanhar de mestres franceses, alguns dos quais educariam D. Dinis, futuro herdeiro da Coroa e, sem dúvida, o nosso mais prolífero trovador.
5. O comércio — No século XIII, os navios portugueses iam a França comprar panos; e navios franceses, nessa mesma época, entravam com frequência na barra do Douro. Os comerciantes e tripulantes lusos assimilavam e espalhavam depois a cultura estrangeira que, superior à portuguesa, os deslumbrava.

III. Onde se manifestou a influência provençal?

  • Nos provençalismos. Deparamos a cada passo nos cancioneiros com vocábulos originários da Provença: sen (senso), cor (coração), prez (valia, preço), greu (difícil), mege (médico), maloutia (doença), solaz (prazer), fiz (certo), eire (ontem), etc.
  • Na teoria do amor cortês. O amor provençal, chamado também amor cortês, é diferente do amor que se exprime nas cantigas de amigo. Este tem o casamento como fim último. Daí o verificar-se apenas entre rapariga e rapaz solteiros. Ao contrário, o amor cortês não tem como finalidade a união matrimonial dos apaixonados. Supõe mesmo a impossibilidade dessa união. É uma aspiração sem correspondência, que deve alimentar o estado de tensão que gera, a fim de se realizar plenamente e se perpetuar. Corteja-se a mulher casada e desta maneira, tal amor raras vezes passa de um fingimento intelectual. Essa mulher normalmente é uma «dona», senhora da corte e fidalga.
  • Na descrição da natureza – é uma natureza estereotipada e convencional.
  • Análise introspectiva – Nestas cantigas são analisados alguns estados de alma que passam despercebidos à naturalidade das de amigo: o doce-amargo do amor, o querer e não querer da vontade, contradições dos namorados, …

IV. CARACTERÍSTICAS GERAIS DAS «CANTIGAS DE AMOR»

 1. Os sentimentos eróticos que exprimem são os de homem. Enquanto nas cantigas de amigo é a mulher que abre o seu coração, nestas é o namorado que desfia as «coitas» de amor. Sendo dialogadas, é o homem que fala em primeiro lugar.
2. Por influência do lirismo tradicional, algumas cantigas de amor estão dotadas de paralelismo imperfeito e semântico.
3. Possuem algumas um variado e complicado formalismo estilístico. Nas canções de mestria, esse formalismo (dobre, mozdobre, macho e fêmea) vai abrindo caminho para os malabarismos estilísticos afectados da poesia do Cancioneiro Geral e da dos períodos maneirista e barroco.
4. Estão repassadas de simbologia amorosa, bastante rica, por causa da teoria do amor cortês.
5. Há nas nossas cantigas de amor menos fingimento e por conseguinte maior sinceridade do que nas composições provençais.
6. Nota-se uma certa uniformidade na expressão e nos sentimentos, o que desanda inevitavelmente na monotonia temática.

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