O céu, a terra, o vento sossegado...
As ondas, que se estendem pela areia...
Os peixes, que no mar o sono enfreia...
O nocturno silêncio repousado...
O pescador Aónio que, deitado
Onde co vento a água se meneia,
Chorando, o nome amado em vão nomeia,
Que não pode ser mais que nomeado:
- Ondas - dizia - antes que Amor me mate,
Tornai-me a minha Ninfa, que tão cedo
Me fizestes à morte estar sujeita.
Ninguém lhe fala; o mar de longe bate;
Move-se brandamente o arvoredo;
Leva-lhe o vento a voz, que ao vento deita. |
****
Eu cantarei de amor tão docemente,
Por uns termos em si tão concertados,
Que dois mil acidentes namorados
Faça sentir ao peito que não sente.
Farei que amor a todos avivente,
Pintando mil segredos delicados,
Brandas iras, suspiros magoados,
Temerosa ousadia e pena ausente.
Também, Senhora, do desprezo honesto
De vossa vista branda e rigorosa,
Contentar-me-ei dizendo a menor parte.
Porém, pera cantar de vosso gesto
A composição alta e milagrosa
Aqui falta saber, engenho e arte.
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Quando da bela vista e doce riso,
Tomando estão meus olhos mantimento,
Tão enlevado sinto o pensamento
Que me faz ver na terra o Paraíso.
Tanto do bem humano estou diviso,
Que qualquer outro bem julgo por vento;
Assim que, em caso tal, segundo sento,
Assaz de pouco faz quem perde o siso.
Em vos louvar, Senhora, não me fundo,
Porque quem vossas cousas claro sente,
Sentirá que não pode merecê-las.
Que de tanta estranheza sois ao mundo,
Que não é de estranhar, Dama excelente,
Que quem vos fez fizesse Céu e estrelas |
Luís de Camões
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