segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Lírica Camoniana


O céu, a terra, o vento sossegado... 
As ondas, que se estendem pela areia... 
Os peixes, que no mar o sono enfreia... 
O nocturno silêncio repousado... 

O pescador Aónio que, deitado 
Onde co vento a água se meneia, 
Chorando, o nome amado em vão nomeia, 
Que não pode ser mais que nomeado: 

- Ondas - dizia - antes que Amor me mate, 
Tornai-me a minha Ninfa, que tão cedo 
Me fizestes à morte estar sujeita. 

Ninguém lhe fala; o mar de longe bate; 
Move-se brandamente o arvoredo; 
Leva-lhe o vento a voz, que ao vento deita.


****



Eu cantarei de amor tão docemente,
Por uns termos em si tão concertados,
Que dois mil acidentes namorados
Faça sentir ao peito que não sente.

Farei que amor a todos avivente,
Pintando mil segredos delicados,
Brandas iras, suspiros magoados,
Temerosa ousadia e pena ausente.

Também, Senhora, do desprezo honesto
De vossa vista branda e rigorosa,
Contentar-me-ei dizendo a menor parte.

Porém, pera cantar de vosso gesto
A composição alta e milagrosa
Aqui falta saber, engenho e arte.

****

Quando da bela vista e doce riso, 
Tomando estão meus olhos mantimento, 
Tão enlevado sinto o pensamento 
Que me faz ver na terra o Paraíso.

Tanto do bem humano estou diviso,
Que qualquer outro bem julgo por vento; 
Assim que, em caso tal, segundo sento, 
Assaz de pouco faz quem perde o siso.

Em vos louvar, Senhora, não me fundo,
Porque quem vossas cousas claro sente,
Sentirá que não pode merecê-las.

Que de tanta estranheza sois ao mundo, 
Que não é de estranhar, Dama excelente, 
Que quem vos fez fizesse Céu e estrelas

Luís de Camões

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