O sol é grande, caem co'a calma as aves,
do tempo em tal sazão, que soe ser fria;
esta água que d'alto cai acordar-me-ia
do sono não, mas de cuidados graves.
Ó cousas, todas vãs, todas mudaves,
qual é tal coração qu'em vós confia?
Passam os tempos, vai dia trás dia,
incertos muito mais que ao vento as naves.
Eu vira já aqui sombras, vira flores,
vi tantas águas, vi tanta verdura,
as aves todas cantavam d'amores.
Tudo é seco e mudo; e, de mestura,
também mudando-m'eu fiz doutras cores:
e tudo o mais renova, isto é sem cura!
Sá de Miranda |
sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
O sol
segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011
Lírica Camoniana
O céu, a terra, o vento sossegado...
As ondas, que se estendem pela areia...
Os peixes, que no mar o sono enfreia...
O nocturno silêncio repousado...
O pescador Aónio que, deitado
Onde co vento a água se meneia,
Chorando, o nome amado em vão nomeia,
Que não pode ser mais que nomeado:
- Ondas - dizia - antes que Amor me mate,
Tornai-me a minha Ninfa, que tão cedo
Me fizestes à morte estar sujeita.
Ninguém lhe fala; o mar de longe bate;
Move-se brandamente o arvoredo;
Leva-lhe o vento a voz, que ao vento deita. |
****
Eu cantarei de amor tão docemente,
Por uns termos em si tão concertados,
Que dois mil acidentes namorados
Faça sentir ao peito que não sente.
Farei que amor a todos avivente,
Pintando mil segredos delicados,
Brandas iras, suspiros magoados,
Temerosa ousadia e pena ausente.
Também, Senhora, do desprezo honesto
De vossa vista branda e rigorosa,
Contentar-me-ei dizendo a menor parte.
Porém, pera cantar de vosso gesto
A composição alta e milagrosa
Aqui falta saber, engenho e arte.
****
Quando da bela vista e doce riso,
Tomando estão meus olhos mantimento,
Tão enlevado sinto o pensamento
Que me faz ver na terra o Paraíso.
Tanto do bem humano estou diviso,
Que qualquer outro bem julgo por vento;
Assim que, em caso tal, segundo sento,
Assaz de pouco faz quem perde o siso.
Em vos louvar, Senhora, não me fundo,
Porque quem vossas cousas claro sente,
Sentirá que não pode merecê-las.
Que de tanta estranheza sois ao mundo,
Que não é de estranhar, Dama excelente,
Que quem vos fez fizesse Céu e estrelas
Luís de Camões
domingo, 13 de fevereiro de 2011
Metrificação / Versificação
Estrofes | Metro | Último acento dominante | Quanto à rima | A rima |
1 verso: monóstico | 1 sílaba monossílabo | agudos (ou oxítonos ou masculinos): terminados por palavra aguda | Não rimados: soltos ou brancos | Consoante ou pura: são iguais vogais e consoantes. Toante ou assoante: só as vogais são iguais. |
2 versos: dístico | 2 sílabas dissílabo | |||
3 versos: terceto | 3 sílabas trissílabo | |||
4 versos: quadra | 4 sílabas tetrassílabo | |||
5 versos: quintilha | 5 sílabas pentassílabo / redondilha menor | |||
6 versos: sextilha | 6 sílabas hexassílabo ou quebrado | graves (ou paroxítonos ou femininos): terminados por palavra grave | Rimados: Ø emparelhados: AA Ø cruzados ABAB Ø interpolados ABBBA Ø encadeados --------A ---A---B ---B---A | Rica: Rimam palavras de classe gramatical diferente. Pobre: rimam palavras da mesma classe gramatical. |
7 versos: sétima | 7 sílabas heptassílabo / redondilha maior | |||
8 versos: oitava | 8 sílabas octossílabo | |||
9 versos: nona | 9 sílabas eneassílabo | |||
10 versos: décima | 10 sílabas decassílabo | esdrúxulos (ou proparoxítonos): terminados por palavra esdrúxula. | ||
11 sílabas undecassílabo | ||||
12 sílabas dodecassílabo ou alexandrino |
segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011
domingo, 6 de fevereiro de 2011
LUISA NETO JORGE
A casa do mundo
Aquilo que às vezes parece
um sinal no rosto
é a casa do mundo
é um armário poderoso
com tecidos sanguíneos guardados
e a sua tribo de portas sensíveis.
Cheira a teias eróticas. Arca delirante
arca sobre o cheiro a mar de amar.
Mar fresco. Muros romanos. Toda a música.
O corredor lembra uma corda suspensa entre
os Pirinéus, as janelas entre faces gregas.
Janelas que cheiram ao ar de fora
à núpcia do ar com a casa ardente.
Luzindo cheguei à porta.
Interrompo os objetos de família, atiro-lhes
a porta.
Acendo os interruptores, acendo a interrupção,
as novas paisagens têm cabeça, a luz
é uma pintura clara, mais claramente lembro:
uma porta, um armário, aquela casa.
Um espelho verde de face oval
é que parece uma lata de conservas dilatada
com um tubarão a revirar-se no estômago
no fígado, nos rins, nos tecidos sanguíneos.
É a casa do mundo:
desaparece em seguida.
****
As sofridas amoras
As sofridas amoras
dos valados
os fogosos espinhos
que coroam os cardos
Saltam ao caminho
a sangrar-me a veia
do poema.
terça-feira, 1 de fevereiro de 2011
Temas da lírica camoniana
I. Corrente tradicional
a) Amor cortês e amor palaciano – “Na fonte está Lianor”
b) Futilidades – “cousas de folgar”
c) Humorismo e temas vividos – “Endechas a Bárbara”
d) Neoplatonismo:
§ preexistência da alma
§ reminiscência
§ do sensível à Ideia. (Sobolos rios que vão – Canção X)
e) misticismo
§ na vida, que é exílio, o poeta não encontra a felicidade;
§ saudades de um bem que não encontrou na terra;
§ desejos de ir ao céu e fazer ruir a prisão da carne. (Idem)
II. Corrente renascentista
a) O amor
§ a grande contradição do lirismo amoroso de Camões ( Pede-me o Desejo);
§ amor petrarquista (Transforma-se o amador na cousa amada);
§ amor carnal (Os Lusíadas).
b) A experiência vivida
§ o destino (Canção IX e X);
§ os erros e o amor (Erros meus, má Fortuna,...);
§ perseguições injustas (O dia em que nasci...).
c) A “aurea mediania” (Oitavas )
e) Temas religiosos
(Adaptado de: Ant.º José Barreiros, História da Literatura Portuguesa)
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