segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Poesia Palaciana

 Com a quase total extinção da lírica trovadoresca e com o surgimento do antropocentrismo, a poesia ressurgiu com os ideais do humanismo tendendo, consequentemente, a valorizar mais o homem. Sem a música da poesia trovadoresca, a poesia começou a ganhar um ritmo próprio, sendo necessário um maior trabalho com as estruturas frásicas e alguns malabarismos vocabulares. O sentimento do poeta ganhou uma força maior. Este tipo de poesia era presença frequente na corte, onde se empreendiam torneios ou “justas” poéticas que evidenciavam o virtuosismo dos poetas. Assim, esta poesia palaciana é, essencialmente, lúdica, e nela é possível verificar um refinamento do estilo e da forma, que se tornam mais apurados. Também ao nível dos temas a lírica sofre algumas alterações. A tradição amorosa que se encontrava nos trovadores mantém-se, agora já sob influência de Petrarca e Dante, e a teorização, cada vez mais elaborada, de motivos ligados a este tema prende-se ao gosto crescente pelo formalismo. Pequenos pormenores da vida social tornam-se também objecto de alguns textos, muitos deles satíricos. Assinale-se ainda a presença, embora em pequeno número, de textos ligados já ao período histórico dos Descobrimentos, nomeadamente às consequências sociais da formação do império, numa perspectiva frequentemente pessimista.
Em 1516, Garcia de Resende, homem ligado aos círculos da corte, editou uma compilação dos textos poéticos das cortes de D. Afonso V, D. João II e D. Manuel I, o célebre Cancioneiro Geral. Seguindo o exemplo que vinha de Espanha, recolheu muitos dos poemas que haviam sido produzidos no ambiente palaciano por numerosos poetas, ao longo de dezenas de anos. A obra reúne cerca de mil poemas, a maioria de temática amorosa ou satírica, escritos por quase trezentos poetas. Vários deles estão escritos em castelhano, o que era natural na época, dado o prestígio da literatura espanhola na época e o bilinguismo da corte portuguesa. Com esta iniciativa, evitou que muitas dessas produções poéticas desaparecessem, dado que os poemas circulavam manuscritos e acabariam inevitavelmente por desaparecer, juntamente com os seus autores e a moda do poetar palaciano. Com esse gesto pretendia também incentivar os seus contemporâneos à redacção de obras de maior fôlego, nomeadamente textos de carácter épico que imortalizassem os feitos dos portugueses. Era também uma forma de afirmar ao mundo o prestígio do rei e do país.
Subgéneros líricos presentes no Cancioneiro Geral:
1. Cantiga: preferentemente reservada para temas amorosos, é composta por um mote de 4 ou 5 versos e por uma única volta ou glosa de 8 a 10 versos. Termina frequentemente a glosa com a última palavra do mote.
2. Vilancete: formado por um mote de 2 ou 3 versos e uma glosa ou volta que pode ter uma ou várias coplas de 7 versos. A primeira quadra forma a cabeça da estrofe, sendo os três últimos versos a cauda. O primeiro verso rima com o último da cabeça e os dois últimos com os dois versos finais do mote.
3. Esparsa: é constituída por uma trova em verso de arte menor, que pode contar de 8 a 16 versos, sendo destinada a cantar assuntos tristes. Não estava obrigada a mote. É de origem provençal.
4. Trovas: composições de forma livre, constituídas por um número variável de coplas. As oitavas são geralmente duas quadras, por vezes independentes pela rima. Por vezes formam longos poemas narrativos.  
 
Grande diversidade:
· novidades - poesia didáctico-moral, lírico-narrativa, histórica e dramática
· permanecem - poesia lírica, satírica e de inspiração moral e religiosa.

Continua a cantar-se o amor vassalagem e verifica-se a manutenção do comprazimento na queixa monótona da não correspondência amorosa. Os líricos do Cancioneiro Geral já não respeitam o anonimato da senhora, nem escondem a sua identidade sob um pseudónimo literário (como virá a acontecer na época clássica). Às vezes declaram galantemente o nome das senhoras de quem são servidores. Continua a ser uma poesia inspirada pela doutrina do amor cortês - sendo mesurada e eivada de laços de vassalagem amorosa, por si só satisfatórios para o trovador.
Verifica-se frequentemente a utilização do vocativo senhora, o que aproxima estas composições de uma súplica, marcando-a com o tom íntimo de uma confissão sentimental, em que o poeta permanece em adoração perante a mulher amada.
A personificação dos olhos e do coração adquire o valor de uma alegoria simbólica: exprimindo o estado de alma do poeta, sugere simultaneamente o desdobramento da personalidade, justificando a estrutura dialogante da composição poética.

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