segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

JOAQUIM MANUEL MAGALHÃES - 1945

Aos poucos foram sendo conhecidos juntamente
Nos ríspidos círculos da classe a que pertenciam
Aos poucos também, a troco da paga decorativa
De vários livros de verso e alguns de ensaio,
Atenuaram-lhes as consabidas ironias e acusações.

Com o tempo vieram as fotografias nos circuitos
De massificação, chegou a haver semanas em que padeciam
Escritos elogios que davam notoriedade sem suspeita.

Nas pistas múltiplas das artes e das noites,
Até antigos desconhecidos, até estáveis malquerentes
Diziam: “os dois poetas”. Antes queriam

Ser tratados pelo nome ou pelo só indicativo
Da profissão que padeciam por a reconhecer
O melhor lenitivo para a obsessiva
E neurotizante dedicação em exclusivo
À chamada profissionalização dos escritores:

«os dois poetas», contudo, semi-servia
para neutralizar outras sevícias.

Mas quando os carros exigiam marcações
na empresa dum mecânico vizinho
às vezes no telefone pousado chamavam
com voz abafada pelo patrão: são «os dois paneleiros»
Embora sempre afável atendesse às avarias.

A voz voava do recanto de contabilidade
forrado a calendários com poses pneumáticas
por sobre tubos de escape, soldaduras, jactos, latões.
baterias, broquins, desperdícios, alavancas;
e a gordura negra, um filtro gasto, malsão.

Assim os conheciam por lá, quiçá por outros becos.
E ambas as designações os faziam sorrir.
Mas se fossem de repartição ou a prazo numa firma
Ou até doutra mecânica qualquer? Ou de pequena cidade?
Ou de grupo de jardim com reformados?

Trata-se, é claro, da inútil função social da poesia.

Alguns Livros Reunidos, Contexto

***
Sirene, bigorna deficiente,
o cansaço do poente tritura.
Um neutro fulminante.

O ramal do comboio.
Um acorde agita-se.
Modela uma caldeira
o agulheiro, no sapal.
A manivela desafia
a planície.
Flutua na semelhança
o apuro do semeador.

Equimose de demolição.
Alguém, nu.
Um Toldo Vermelho

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