domingo, 10 de abril de 2011

Raul de Carvalho (1920 - 1984)

CEREJAS BRANCAS

De cerejas brancas, de estrelas vermelhas de lábios azuis,
Era a tua voz. Doce, docemente. Inocentemente.
Dizia palavras, dizia palavras... Alucinações.
Monstros e promessas. Magia, segredo. Artes do Diabo.

Reflexos tristes da luz que nos foge,
da luz que anda à solta e nos deixa presos.

Ouço a tua voz chamando, chamando...
Ah! nenhum de nós somos os culpados!

Docemente extinta. Inocentemente.
Um círculo da Lua rodeia teus braços,
Um raio de Sol te dirige os passos.
É a tua voz! de menino e moço!

Ah! quanta ternura tem a tua voz,
Quanto beijo que jamais fora dado,
Quanta linda festa que logo interrompida,
Quanto abraço que desejaste dar ...

Ouço a tua voz. É som ou desmaio?
É quebranto? É música? Sai do coração?
Ouço a tua voz, que respeita e ama,
Como irmão mais novo a irmão mais velho.

Diz-me que é inútil. Que essa tua voz
Não é verdadeira, porque sofrerás...
Embora me tragas, sem eu saber como,
Alguma alegria, um pouco de paz!

Queira Deus que tu, irmão meu, encontres
Alguém que ao ouvi-la, quando estiveres só,
Te ame e compreenda, te ouça e adormeça,
Te afirme que tens um lugar no Mundo...


****

CORAÇÃO SEM IMAGENS


Deito fora as imagens,
Sem ti para que me servem
as imagens?

Preciso habituar-me
a substituir-te
pelo vento,
que está em toda a parte
e cuja direcção
é igualmente passageira
e verídica.

Preciso habituar-me ao eco dos teus passos
numa casa deserta,
ao trémulo vigor de todos os teus gestos
invisíveis,
à canção que tu cantas e que mais ninguém ouve
a não ser eu.

Serei feliz sem as imagens.
As imagens não dão
felicidade a ninguém.

Era mais difícil perder-te,
e, no entanto, perdi-te.

Era mais difícil inventar-te,
e eu te inventei.

Posso passar sem as imagens
assim como posso
passar sem ti.

E hei-de ser feliz ainda que
isso não seja ser feliz.

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